terça-feira, 9 de julho de 2013

Propuseram-me esta: e eu respondi assim.


         Duas pessoas conhecem-se quando uma delas está à procura de um parente distante. Uma delas é solitária. Explore o enredo.

A avó Madalena já tinha percebido que o homem sentado a seu lado tinha medo. Teria medo de voar?

Ele era obeso, tinha a fácies ruborizada e brilhante do suor, e não sorria; tremia das mãos. Engoliu um calmante, mal se sentou. A avó Madalena não tinha medo de nada. O homem tinha sorte em tê-la ali ao lado.

… recomendamos que se mantenham sentados e com os cintos apertados.

O calmante não surtia efeito – nem uma hora de voo passada e já o homem se tinha socorrido de outro; mantinha um olhar arregalado, como se fosse uma criança aterrorizada por um pesadelo e não parava quieto. Qual seria a sua história? A minha avó conseguia ler a história das pessoas através do olhar – eu não: ainda (só) acreditava no que me diziam: era muito nova – costumava dizer-me ela. Por isso, perguntei-lhe o nome:

- Fernando.

Ele não perguntou o meu, mas ainda assim, eu proferi-lhe:

- Eu sou a Teresa e ela é a avó Madalena.

O homem não pareceu importar-se. O senhor Fernando já era crescido; era quase careca, mas era um medricas (apetecia-me dar-lhe a mão). Ia visitar o seu pai, moribundo, consumido por uma “doença ruim”; não o veria há mais de dez anos. Um engano amoroso tinha-o feito abandonar a família, enfeitiçado por uma rapariga Romena que, em pouco tempo, o havia trocado por outros (ela era prostituta). Com a vergonha e uma personalidade fraca, não terá tido coragem de regressar à sua terra natal e escondeu o sucedido da família durante muitos anos: para não mentir, afastou-se de todos; para não mentir, deixou de falar. Transformou-se num solitário. A avó descobriu isso tudo só de olhá-lo nos olhos. Não tivera coragem de ir ao funeral da mãe, apesar de ter sabido do seu falecimento, dois anos antes. Desta vez, ele tinha decidido não abandonar também o progenitor: iria fazer-se homem (assustado como uma criança) e voltar a ser seu filho nas aparentes últimas semanas de vida que lhe restavam, conforme lhe escrevera no email, um primo. Talvez assim conseguisse remediar a cobardia dos últimos anos e o seu deus o perdoasse.

As manobras de reanimação realizadas pelos assistentes de bordo foram infrutíferas: a avó Madalena disse-me que ele morreu de ataque cardíaco; eu acho que o coração do senhor Fernando parou por saudades e ele morreu de medo e de solidão.

Eu não chorei.

2 comentários:

O que se diz por aí...

Espelho meu, espelho meu (cozinha minha, cozinha minha...)

... Haverá algum armário de tupperwares mais desarrumado do que o meu?!