(Confronte-se outro enredo na DESCOMPLICÓMETRO!)
O feitiço concretizou-se: fui transformada numa colher de café – inútil
para aqueles que não usam açúcar. Sou supérflua e completamente dispensável
numa casa (qualquer cabo desempenha a minha função). Quando a boa educação não
abunda, sirvo para lambidelas despropositadas (yeerrrccc!), por todos os grupos etários e sexos (e os poucos
George Clooney que por aí andam não usam açúcar nem adoçante). Eu não acreditei
quando a Fada Má ameaçou que me transformava em colher e continuo sem perceber
porque não caí nas graças dela. Enfim…
Acordei num sítio sujo e nauseabundo, frio como tudo, rodeada de gigantes.
Não há luz, a comunicação é feita por apalpões e há pouco espaço para me mexer.
É a minha primeira vez. Os outros, quer parecer-me, já estão habituados – não
se queixam. Estou aborrecida. Os otimistas dizem que daqui a umas horas a coisa
melhora; os hidrofóbicos, pelo contrário, dizem que o pior está para vir. Eu já
não vou em cantigas: isto é o que é (ao menos enfiaram-me com a cabeça para
cima; outra, como eu, teve pior sorte, sofrerá todo o processo a fazer o pino –
coitada – já lhe adivinho as jugulares ingurgitadas e a pletora facial).
Fui comprada em saldos, sou apenas mais uma de meia dúzia. Ainda não
conheço os meus donos, não sei se se adoçam, se têm herpes ou HIV ou se pertencem
ao grupo dos que me lambem. Pelo burburinho, admito que falta pouco tempo para
a lavagem. Tento não pensar muito nisso para não entrar em pânico (sem boca,
não há Valium que me valha).Vou
deixar-me estar quieta e rezar para que ninguém se meta comigo. Fecho, com as
forças que ainda me restam, os olhos e se os voltar a abrir é porque sobrevivi.
O fedor melhorou – um fairy
qualquer desintoxicou o ar. Misturam-se os suores: de talheres, de copos, de
pratos e de tupperwares. As minhas pupilas
readaptam-se à penumbra húmida (a adrenalina reflete-se na midríase). Sobrevivi
ao batismo. Não fiz nenhuma amizade: o garfo de sobremesa ainda tentou a sua
sorte, mas eu fingi que dormia (quem é que ele pensa que sou?). Não me dói nada
– só uma sensação de moimento generalizado. Não posso dizer que gostei, mas
também não foi nenhuma experiência traumática – resigno-me a esta sina.
Dar-me-ei por feliz se não constipar.
Como se desfará este estúpido feitiço?
(Algum príncipe que me beije?)
Fantástico!!!
ResponderEliminarVânia da Graça