quarta-feira, 10 de julho de 2013

Propuseram-me esta e eu respondi assim II

(Confronte-se outro enredo na DESCOMPLICÓMETRO!)

Vista a pele de uma colher que está dentro de uma máquina de lavar loiça (máx. 400 palavras)


O feitiço concretizou-se: fui transformada numa colher de café – inútil para aqueles que não usam açúcar. Sou supérflua e completamente dispensável numa casa (qualquer cabo desempenha a minha função). Quando a boa educação não abunda, sirvo para lambidelas despropositadas (yeerrrccc!), por todos os grupos etários e sexos (e os poucos George Clooney que por aí andam não usam açúcar nem adoçante). Eu não acreditei quando a Fada Má ameaçou que me transformava em colher e continuo sem perceber porque não caí nas graças dela. Enfim…

Acordei num sítio sujo e nauseabundo, frio como tudo, rodeada de gigantes. Não há luz, a comunicação é feita por apalpões e há pouco espaço para me mexer. É a minha primeira vez. Os outros, quer parecer-me, já estão habituados – não se queixam. Estou aborrecida. Os otimistas dizem que daqui a umas horas a coisa melhora; os hidrofóbicos, pelo contrário, dizem que o pior está para vir. Eu já não vou em cantigas: isto é o que é (ao menos enfiaram-me com a cabeça para cima; outra, como eu, teve pior sorte, sofrerá todo o processo a fazer o pino – coitada – já lhe adivinho as jugulares ingurgitadas e a pletora facial).

Fui comprada em saldos, sou apenas mais uma de meia dúzia. Ainda não conheço os meus donos, não sei se se adoçam, se têm herpes ou HIV ou se pertencem ao grupo dos que me lambem. Pelo burburinho, admito que falta pouco tempo para a lavagem. Tento não pensar muito nisso para não entrar em pânico (sem boca, não há Valium que me valha).Vou deixar-me estar quieta e rezar para que ninguém se meta comigo. Fecho, com as forças que ainda me restam, os olhos e se os voltar a abrir é porque sobrevivi.

O fedor melhorou – um fairy qualquer desintoxicou o ar. Misturam-se os suores: de talheres, de copos, de pratos e de tupperwares. As minhas pupilas readaptam-se à penumbra húmida (a adrenalina reflete-se na midríase). Sobrevivi ao batismo. Não fiz nenhuma amizade: o garfo de sobremesa ainda tentou a sua sorte, mas eu fingi que dormia (quem é que ele pensa que sou?). Não me dói nada – só uma sensação de moimento generalizado. Não posso dizer que gostei, mas também não foi nenhuma experiência traumática – resigno-me a esta sina. Dar-me-ei por feliz se não constipar.

Como se desfará este estúpido feitiço?

(Algum príncipe que me beije?)

1 comentário:

O que se diz por aí...

Espelho meu, espelho meu (cozinha minha, cozinha minha...)

... Haverá algum armário de tupperwares mais desarrumado do que o meu?!