Duas pessoas conhecem-se
quando uma delas está à procura de um parente distante. Uma delas é solitária.
Explore o enredo.
A avó Madalena
já tinha percebido que o homem sentado a seu lado tinha medo. Teria medo de
voar?
Ele era obeso,
tinha a fácies ruborizada e brilhante do suor, e não sorria; tremia das mãos.
Engoliu um calmante, mal se sentou. A avó Madalena não tinha medo de nada. O
homem tinha sorte em tê-la ali ao lado.
… recomendamos que se mantenham sentados e
com os cintos apertados.
O calmante não
surtia efeito – nem uma hora de voo passada e já o homem se tinha socorrido de
outro; mantinha um olhar arregalado, como se fosse uma criança aterrorizada por
um pesadelo e não parava quieto. Qual seria a sua história? A minha avó
conseguia ler a história das pessoas através do olhar – eu não: ainda (só)
acreditava no que me diziam: era muito
nova – costumava dizer-me ela. Por isso, perguntei-lhe o nome:
- Fernando.
Ele não
perguntou o meu, mas ainda assim, eu proferi-lhe:
- Eu sou a Teresa e ela é a avó Madalena.
O homem não
pareceu importar-se. O senhor Fernando já era crescido; era quase careca, mas
era um medricas (apetecia-me dar-lhe a mão). Ia visitar o seu pai, moribundo, consumido
por uma “doença ruim”; não o veria há mais de dez anos. Um engano amoroso
tinha-o feito abandonar a família, enfeitiçado por uma rapariga Romena que, em
pouco tempo, o havia trocado por outros (ela era prostituta). Com a vergonha e
uma personalidade fraca, não terá tido coragem de regressar à sua terra natal e
escondeu o sucedido da família durante muitos anos: para não mentir, afastou-se
de todos; para não mentir, deixou de falar. Transformou-se num solitário. A avó
descobriu isso tudo só de olhá-lo nos olhos. Não tivera coragem de ir ao
funeral da mãe, apesar de ter sabido do seu falecimento, dois anos antes. Desta
vez, ele tinha decidido não abandonar também o progenitor: iria fazer-se homem
(assustado como uma criança) e voltar a ser seu filho nas aparentes últimas
semanas de vida que lhe restavam, conforme lhe escrevera no email, um primo. Talvez assim
conseguisse remediar a cobardia dos últimos anos e o seu deus o perdoasse.
As manobras de
reanimação realizadas pelos assistentes de bordo foram infrutíferas: a avó
Madalena disse-me que ele morreu de ataque cardíaco; eu acho que o coração do
senhor Fernando parou por saudades e ele morreu de medo e de solidão.
Eu não chorei.
Grande texto. Grande talento!
ResponderEliminarGosto, gostei tanto, ficou faltando o resto...
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