(A versão da Carlinha. Tentou fugir ao seu estilo sério: conseguiu esta estória alternativa...)
Escreva
sobre uma das mais difíceis decisões que teve de tomar na sua vida.
“…
que ninguém poderá esquecer
ter que matar ou morrer…” (Aquele Inverno, Delfins)
ter que matar ou morrer…” (Aquele Inverno, Delfins)
Marta não se conteve: abriu sozinha
o envelope; 1:32 - estava lá escarrapachada a probabilidade – ela sabia que se aquela
fosse inferior a 1:260, decisões difíceis teriam de ser tomadas. E foram.
Telefonou ao João a dizer-lhe que já
tinham ligado da Clínica, que teriam consulta dalí a três dias; antes era imperativo falarem,
porque ela ainda não tinha decidido o que fazer. Os seis dias de espera do resultado do
rastreio bioquímico ao sangue, que confirmaria uma elevada probabilidade do seu
filho (Marta não gostava de chamá-lo de embrião) ter uma síndroma que o tornaria uma criança totalmente
dependente até ao fim dos seus dias, foram passados a “mudo” no que se refere a
este assunto (e a quase todos os outros) e não houve momentos de intimidade
entre o casal, porque a mulher não queria acreditar que aqueles míseros quatro milímetros
de aumento da espessura da prega da nuca, medidos na ecografia, significariam
alguma coisa; não numa vida concebida com puro amor e desejada com todas as suas
forças. (Não acreditava, mas sabia que era possível e tinha medo - tremia).
A escolha de fazer ou não a amniocentese
era o preâmbulo da decisão que teriam de enfrentar a seguir: abortar ou não. Marta
sempre fora anti-aborto. Em teoria, independentemente do resultado do estudo
genético, o aborto não seria realizado – era o que defendia até àquele momento,
em que a vida a ponha à prova. João era pragmático: “faz-se já” e saltava-lhe
um prepotente autoritarismo, que conseguia assustar Marta, a que esta não
estava habituada (por isso, a magoava de forma singular). Sim, ele era o pai, mas ela era a Mãe e a Mãe é sempre mais-que-tudo:
a vida estava nela - matar o filho?! Que espécie de homem escolhera para amar? E
teria João o direito a outra opinião que não a dela?.
A amniocentese foi feita. Foram nove
dias de ansiedade angustiada para os dois (para os três?). Ficaram nódoas na
alma, fendas no casamento e olhares com tom de voz agressivo ou calados que,
pelo menos a rapariga, sabia que não conseguiria esquecer.
A resposta chegou indirectamente por
telefone, pela entoação que a obstetra conseguiu dar ao seu discurso: “apareçam
cá hoje ao final da tarde”.
(…)
Vicente nasceu; João saiu de casa.
Viver dói. O Vicente sou eu.
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