Eles não se despediram. Em passos
resolutos foram-se afastando: não tinham certezas, mas parecia-lhes que aquela
seria a última vez. A ausência de palavras fê-los apartar, sentindo o mesmo:
era um ADEUS. Já tinham vacilado demasiado, várias vezes tinha prevalecido o
“talvez” no lugar da certeza, do “sim” ou do “não” reflectidos e assumidos. Era
uma relação minada há muito. A corda que os unia era uma soma de nós remediados
e, destes, alguns fundamentais se tinham deslaçado. (Na vida há nós que se
deslaçam por si mesmos). De quem seria a culpa? De um deus em quem não
acreditavam? Das mulheres que eram obrigados a suportar todos os dias, contra
vontade? Culpa deles? Tudo teorias. Presenças e ausências repetidas tinham
desorganizado o jogo. Não serviria de nada, naquele momento, a vitimização nem
o apontar do dedo (eles continuavam a caminhar, arrastando os pés, cabisbaixos,
de braços pendentes, sem direcção, num rumo improvisado e aleatório).
“(…) Quando os nossos braços ensaiarem um gesto
fora do dia-a-dia ou não seguirem a marca deixada pelas rodas dos carros (…) -
o melhor sítio para saber qualquer coisa da vida.”
O absurdo: um amor secreto e a
sua antítese tornaram aquela situação incomportável – inexequível continuar sem
descarrilar, impossível ficar sem partir, no silêncio das palavras (e dos
beijos e dos abraços) a que se tinham deixado chegar. Para eles aquele adeus
constituiria a única esperança de ficar…
Eles não se despediram. Não houve
sentenças - as palavras nunca são só palavras. A par daquele amor homossexual,
um egoísmo calado aliado a falta de coragem. (De pseudoteorias estava o mundo
cheio). Os dois homens não arriscaram: pareciam dois bonecos de plasticina
andando imóveis; não acordaram a tempo.
David por princípio nunca chorava
e o vazio encheu-se tanto de nada que nem deixou espaço para as boas
recordações. Em fracções de segundo e, paradoxalmente, a meio da passadeira,
mas como que para salvá-lo de uma perene tristeza, o líquor começou a
jorrar-lhe pelo nariz e pelos ouvidos. O embate foi frontal - um camião TIR: um
traumatismo crânio-encefálico. Pedro era agora um cérebro morto num coração
vivo.
Tinoni, tinoni, tinoni … Um morto-vivo numa unidade de cuidados
intensivos.
Uma estória, como tantas outras,
de vidas com bandeiras a meia haste. Houve uma segunda oportunidade: o coração
de Pedro continuou a viver noutro corpo, mas nem sempre a vida nos deixa
repetir…
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