Querido
doutor (foi sempre assim que te chamei, desde o tempo dos
lençóis de cetim vermelho e do gourmet que caracteriza os inícios de uma
relação): estou farta.
Separados
(apenas) por uma porta e pelo estatuto, - e também por causa da tua legítima -
era ao chat que nos agarrávamos: apaixonámo-nos. Pagavas-me as contas do Holmes
Place e dos saldos da Massimo Dutti: gostavas de mim, linda, impecável e
calada. Querias as duas: a secretária vassala, e a amante atrevida; eu sabia
sê-lo. Nunca me custou satisfazer-te e nunca te cobrei nada: nem tempo, nem
Natais; fiz, ainda, sempre por esquecer aquelas vezes em que nem o
“comprimidinho azul” te valia…
Os
convites foram-me chegando – confesso-te que, poucas vezes, tive eu a
iniciativa; recusei os que não me interessavam; fiz “likes”, partilhei
fotografias e frases-feitas, e, nós, como habitualmente, em segredo,
mantínhamos a vida paralela que nos rejuvenescia, já lá vão meia dúzia de anos.
Começaste a sentir-te preterido: imaginaste-me desejada por vários dos teus
pseudoamigos do facebook e obrigavas-me a eliminá-los da minha lista. Eu era
tua secretária, sim, submissa - sim, senhor doutor - mas no meu facebook não
iria permitir que mandasses. As conversas foram azedando: o ciúme patológico
transformou-te num animal. Cheguei a bloquear-te para que não me visses online,
- se não era contigo, não poderia ser com ninguém – dizias-me tu, - e
mantive-me irrepreensível nas funções de secretária. Começaste a tratar-me como
uma coisa, uma pastilha elástica do teu Império. Chegaram a censura e ameaças.
Atingi o meu limite quando percebi que tinhas criado um perfil falso para me
testares: pensavas que eu não sabia, querido doutor? Sei de cor os teus erros
ortográficos e a tua incompetência na colocação de vírgulas, separando sistematicamente
o sujeito do predicado.
Anexo
a minha carta de demissão: todos da Administração se vão rir, vão acreditar que
enlouqueci porque vou juntar um atestado de um psiquiatra inexperiente que vai
diagnosticar-me uma perturbação obsessivo-compulsiva, onde afirmará que me
despeço porque tu não me deixas estar conectada ao chat, a minha
obsessão-compulsão… Não te aflijas, doutor, que nunca ninguém vai saber que o Pai
das Chiclets tem pouco tesão (nem dos milhares que arrecadaste para a conta da
Suiça). Eu sou um túmulo.
Quem
sabe se “esta” não vai ser a nova doença do século?
Quem
perde és tu. E não, já não gosto.
Rosa Kelly.
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